O mundo assistiu em 2008 o lançamento do barco a motor “A”, construído pela Blohm+Voss, na Alemanha. Muito pouco se sabia sobre o projeto ultrassecreto de 119 metros, até que algumas fotos do casco finalizado e os primeiros testes de mar começaram a aparecer em todos os sites e revistas especializados do mundo. Com a assinatura do designer francês Philippe Starck, o iate a motor “A” adentrou em um terreno novo, quebrando muitas barreiras e criando um conceito.
Agora os proprietários do fantástico iate “A”, Andrey e Aleksandra Melnichenko, estão recriando essa história mais uma vez com um projeto ainda mais inovador. Até o momento, tudo o que foi visto eram apenas fotos de paparazzi e suposições de como seria o barco, mas a Boat International obteve acesso exclusivo, sendo a única revista no mundo autorizada a publicar a história por trás de mais uma construção totalmente em segredo da família Melnichenko. Bem vindo a bordo do Veleiro A.
Nada para Andrey Melnichenko é convencional. Este é um proprietário que se deleita em desafiar o status quo, adora ter novos conceitos e principalmente, novas tecnologias em seus iates. O veleiro A tem 142,81 metros de comprimento (é o maior do seu tipo e vem sendo chamado de “iate a motor assistido por velas”). Trabalhando mais uma vez com Philippe Starck, Melnichenko colocou seu time novamente junto para tirar o conceito do papel e transformá-lo em realidade.
Ele escolheu Dirk Kloosterman para ser o gerente de projeto e muito conhecido no meio dos superiates. Kloosterman estava envolvido na construção do iate Rising Sun, de Larry Ellison, antes de aceitar o projeto. Entre os seus desafios, o primeiro foi encontrar um estaleiro que tivesse calado suficiente para receber um barco deste porte. Muitos aceitaram correr o risco de construir algo tão ousado, mas com a compra do estaleiro HDW, em Kiel, Alemanha, pela Nobiskrug, foi criada a oportunidade perfeita para construir o barco.
“Esse estaleiro é perfeito, tem docas largas e calado de que precisamos para o projeto”, disse Kloosterman. “Em março de 2011, assinamos o contrato de pré-engenharia para começar. Estava claro para o estaleiro que queríamos o controle total da operação, inclusive de todas as empresas envolvidas na construção. O controle de custos para um iate a motor de oito andares e com a adição da vela seria um grande desafio para todos”, completou Kloosterman.
Esse projeto nasceu muitos anos antes, mas não tão distante do lançamento do iate a motor “A” em 2008. Naquele ano, os proprietários convidaram oito dos melhores designers do mundo para ouvir suas ideias e criar esse conceito sem precedentes. Inicialmente, o francês Jacques Garcia foi o ganhador, mas preocupado com a direção que o desenvolvimento estava tomando, Melnichenko foi obrigado a recorrer ao seu herói e criador do iate a motor “A”, Philippe Starck. “Estou honrado e feliz por trazer à vida o sonho de qual será o ápice de alta tecnologia e poesia para os proprietários”, disse Garcia.
Desta maneira, a ideia ultrassecreta tomou forma, um barco a motor com três mastros, com potencial para velejar, construído em sua maioria em aço e incorporando compósito de fibra de carbono para manter o peso baixo. Acompanhando a proa alta, as linhas sobem em direção à popa e terminam descendo em três lances distintos. Elas parecem não ter interrupções ou não mostrar qualquer equipamento no deck principal (âncora, janelas que viram terraços etc), mas acredite, eles estão lá escondidos de uma forma muito inteligente. Espantosamente, são 24 portas que se abrem no casco. As janelas ovais do Veleiro A aparentam ser pequenas a certa distância, mas todas tem um efeito específico e são imensas quando vistas por dentro. Durante nossa visita, muitos testes eram realizados no barco, mas um chamou a atenção: uma película era instalada nas janelas para dar maior privacidade aos convidados e deixar tudo da mesma cor metálica feita por Alex Seal.
O tamanho do novo Veleiro A é extraordinário: além do comprimento já mencionado, são 24,88 metros de boca máxima e oito metros de calado. O barco tem oito decks interligados por múltiplos elevadores e diversas escadas em espiral, garagem para quatro tenders e um submarino, além de um heliponto “touch-and-go” (para pousos e decolagem) na proa. Todos os ambientes internos foram desenvolvidos para fluir e serem orgânicos nos detalhes. Embora o iate ainda estivesse em construção na época da visita, acompanhado por Vedder Deutsche Werkstatten, uma coisa não havia dúvida: o espaço interno na área do proprietário é enorme, bem como a área para os convidados e 54 pessoas da tripulação, que cuidarão de uma cozinha profissional com capacidade para suprir a demanda de um hotel cinco estrelas. A equipe servirá ininterruptamente os dois decks superiores.
Em contraste com o volume a bordo do Veleiro A e todas as suas acomodações, uma sala muito pequena será o centro das atenções. Posicionada na quilha central do barco, a área envidraçada subaquática proporcionará momentos únicos.
Para garantir que tudo funcione perfeitamente, o centro hidrodinâmico HSVA em Hamburgo, Alemanha, realizou diversos testes no casco e a unidade Wolfson, na Universidade de Southampton, ficou encarregada dos testes no túnel de vento para determinar a performance em diferentes condições. Esta fase do projeto revelou o comportamento do barco usando as velas, estabilizadores e performance apenas com o motor. A empresa holandesa Marin conduziu os testes finais com o leme e quilhas instalados no protótipo. Com o resultado dos testes aerodinâmicos concluídos, mostrou-se que o ângulo de inclinação será de no máximo 12 graus com 20 nós de vento, contra e 35 nós a favor.
Os mastros e o plano vélico do veleiro A
Três mastros colossais sem stay definem o Veleiro A. O principal tem uma altura de 100 metros acima da superfície da água (maior que o famoso Big Bem). Foi incorporado a ele um sistema elétrico que pode elevar uma pessoa até 60 metros do chão e com certeza será uma das melhores vistas do barco. O escritório de design alemão Dystra&Partners, responsáveis pela criação dos mastros do Falcão Maltês, foi a escolha óbvia para desenvolver o sistema no Veleiro A. Por ser um barco a motor assistido por vela, a relação entre a área vélica e o deslocamento do barco são menores do que o comum. Dykstra otimizou o plano vélico com velas curvas, utilizando muitas técnicas aerodinâmicas que permitem os mastros girarem até 70 graus.
Curiosamente os mastros são curvos. “Quando começamos a desenhar as velas com seu design distinto, as características dos mastros apontam para a popa e, por uma questão de estilo, queríamos que elas ficassem perfeitamente alinhadas com as linhas do barco”, disse Mark Leslie, da Dykstra. Velas deste tamanho, precisam de enroladores capazes de lidar com tamanho peso e tem um ângulo correto de instalação. Dkystra desenhou a curva da vela para receber os enroladores para que eles funcionassem sem problemas tanto com o vento a favor, como contra.
A Magma Structures, com sede em Portsmouth, Inglaterra, foi a responsável em criar os mastros em fibra de carbono, pois é o único material capaz de suportar a carga e a tensão, de acordo com o especialista Damon Roberts, que acabou criando um desafio para sua equipe. “Desde que este projeto foi concebido com este tamanho, não tivemos respostas fáceis ou soluções tradicionais para o que iremos fazer”, disse. A equipe calculou a flexão na base do mastro utilizando o cálculo em cima dos números da velocidade máxima do vento contra. “A tensão que o material admite e os fatores de segurança foram imprescindíveis para atender aos requisitos estruturais de projeto”, acrescentou Roberts. A carga de flexão na plataforma do mastro principal, por exemplo, é cerca de duas vezes e meia maior do que uma asa de avião Dreamliner e cerca de duas vezes que a do Falcão Maltese, que até então era o dono dos maiores mastros já construídos com essa especificação. Dito de outra forma, os mastros podem resistir a 90 nós de vento com vela aberta completamente (equivalente a um furacão de categoria 2), ou dois ônibus de dois andares pendurados a partir da ponta de cada um.
A Magma construiu os mastros de forma convencional com molde e contra molde usando um laminado de fibra de carbono e epoxy. Cada um deles foi fabricado em quatro grandes sessões, utilizando 370 camadas de carbono. Para ter a forma correta, a empresa desenvolveu um software para monitorar e controlar a secagem três vezes ao dia e também incorporou uma rede de sensores de fibra ótica, realizando em tempo real o monitoramento de segurança, histórico de flexão, condições reais dos mastros e para aumentar a performance durante a velejada.
Velas e retranca
A área vélica total do Veleiro A é de 3.747 metros quadrados ou o equivalente a um campo de futebol, e é 67% maior do que a do Falcão Maltess (2.370 metros quadrados). Ao invés de utilizar diversas velas pequenas, o Veleiro A utiliza uma peça única de 1,464 metros quadrados que enrola dentro da retranca com um simples apertar de um botão, não é necessário tripulação para realizar essa operação. O comprimento total de fibra utilizado na vela é de 754 milhas.
As velas foram concebidas pela Doyle Sails USA e combinam carbono com fibra Technora, cobertas com taffeta (seda fina brilhante e tecido sintético) para proteger dos raios UV.O truque foi determinar as cargas de compressão nas ripas e, em seguida, projetar uma extremidade interna suave capaz de enrolar de forma confiável, mas ao mesmo tempo lidar com o impulso para a frente das ripas sem rasgar.
A tecnologia dos vidros
A alemã GL Yachtverglasung (GLY) desenvolveu os vidros, incluindo a mais longa peça curvada já construída, pesando 1,8 toneladas e medindo 15 metros. “O designer queria criar um visual mais limpo possível, sem nada segurando o vidro. O único jeito era criar as grades de sustentação de vidro”, disse Kloosterman.
Outros dois vidros enormes são encontrados no sétimo deck, com 11 metros de comprimento, e para frente do convés do proprietário, com 14 metros de comprimento. A GLY também foi responsável pelos três vidros elípticos que formam um observatório na quilha do barco. Usando uma técnica especial (GLY MarineCobond), criou-se camadas durante a laminação e, assim, reduziu a espessura do vidro e o peso em até 50% em comparação aos vidros tradicionais.
Mas isso não era o suficiente. O gerente de projeto exigiu que ao menos dez testes fossem feitos e a equipe se dirigiu para um local com 120 metros de profundidade na Alemanha e mergulhou a cápsula até o fundo para atingir diferentes pressões. Foi aprovada sem nenhum susto.
Propulsão do Veleiro A
Uma das partes mais importantes do design era manter o peso total o mais baixo possível e escolha da propulsão era um ponto importante. Para atingir esse objetivo e, principalmente, as velocidades de 16 nós em cruzeiro e 21 em velocidade máxima em silêncio, a solução veio de um sistema nunca instalado em um barco de passeio: uma combinação de um sistema personalizado a diesel/elétrico. Construídos com o conceito básico de barcos fluviais, a E-MS em Hamburgo desenvolveu o sistema e a MTU em parceria com Vacon e DEIF levaram isso adiante.
Foram utilizados geradores de velocidade variável. Isto significa que pode-se tirar mais energia do gerador, pois a rotação máxima de 2.050 rpm é atingida, gerando 2.800 kW. “A vantagem é que ao invés de utilizar cinco geradores, usamos quatro e poupamos muito peso, custo, instalação, operação e manutenção. Os geradores também podem trabalhar a 1.050 rpm quando o barco estiver menos carregado, graças ao Superimposed System Controler (SSC), ou na tradução livre, Sistema Controlador de Sobreposição, que calcula constantemente e otimiza as velocidade, determinando a melhor combinação para a linha de geradores”, detalhou Kloosterman. “Por exemplo, o SSC pode calcular que a uma certa carga, pode ser mais eficiente utilizar dois geradores a 1.200 rpm ao invés de um a 2.050 rpm. Combinando os dois em baixas velocidades de rotação, podemos reduzir barulho, vibração, consumo de combustível e o tempo de uso do equipamento, aumentando o período de manutenção de cada um de 15 mil para 30 mil horas”, completou Kloosterman.
O par de hélices do Veleiro A é impulsionado por motores MTU 20V 4000 ML73 a diesel, por motores elétricos ou uma combinação dos dois, feita por embreagens e caixas de velocidade. O mesmo propulsor elétrico também pode ser utilizado como gerador de velocidades nos eixos, reduzindo o consumo quando o barco navegar com o uso dos motores principais. “Temos uma grande variedade de propulsão embarcada que é alterada conforme o uso do barco. Os sistemas são bem flexíveis e eu acredito que esse será o futuro da navegação”, finalizou Kloosterman.