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Noções de estabilidade de embarcações

A estabilidade transversal de uma embarcação pode ser referida como a sua capacidade de não emborcar quando sujeita a agentes externos (rajadas de vento ou ondas), a agentes internos (concentração de cargas ou de pessoas em um dos bordos, ou em conveses mais altos), a uma manobra brusca (efetuar uma curva em alta velocidade), ou mesmo a uma avaria no seu casco que provoque embarque de água em um ou mais compartimentos.

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Afinal, o que é esta tal estabilidade?

De uma forma resumida, pode ser afirmado que as características de estabilidade de uma embarcação estão diretamente ligadas à geometria do casco e à distribuição de todos os pesos na embarcação. A geometria do casco leva à disposição dos volumes submersos, indicando, ao final, o volume total de flutuação e o respectivo centro para cada calado da embarcação. A distribuição dos pesos de todos os componentes da embarcação leva à soma total do peso e à posição de seu centro de gravidade.

A embarcação se comporta como se a força total de empuxo (E), devido à flutuação, fosse aplicada diretamente no seu centro de flutuação (B), compensando a força peso (P) aplicada diretamente no centro de gravidade (G). Quando não há qualquer força externa, a embarcação está em posição estável, com os dois centros B e G na mesma linha vertical, em um calado que equilibra as duas forças em sentido contrário P e E. Quando, porém, ocorre um pequeno ângulo de inclinação transversal, há uma nova flutuação, com novo centro B’. As linhas verticais que passam por cada centro B, de cada ângulo de inclinação do casco, determinam a posição de um ponto, denominado metacentro (M), a partir do qual o casco tende a ter movimentos transversais pendulares, conforme a Figura 1.

A distância entre a linha original que passa por G e M e cada linha que passa por B’ e M, resultante de um ângulo de inclinação θ, é denominada de GZ, conhecido como braço de endireitamento, que fisicamente representa o potencial para a embarcação retornar à posição inicial (ângulo θ igual a zero). A distância entre o centro de gravidade e o metacentro, GM, é denominada altura metacêntrica. Se esta altura chegar a ser negativa, com M abaixo de G, a embarcação emborcará. Se M sempre for mantido acima de G, a embarcação se manterá em condição estável.

Os critérios de projeto de embarcações levam em consideração a necessidade de se partir de um valor inicial de altura metacêntrica GM que garanta uma segurança adequada quanto à estabilidade quando efeitos externos, como ventos e ondas, ou internos, como algumas alterações de posições de pesos, por exemplo, contribuem para tirar as embarcações de suas condições de equilíbrio. Estes agentes ou efeitos externos ou internos produzem os chamados momentos de emborcamento, que deverão ser compensados pelos momentos de endireitamento resultantes para cada ângulo de inclinação transversal  θ. Daí a importância dos critérios de estabilidade também exigirem braços de endireitamento GZ com magnitude adequada, para que haja sempre momentos de endireitamento potenciais para fazer frente à soma dos momentos de emborcamento que possam agir na embarcação.

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Figura 1 – Representação gráfica das forças e centros que determinam as características de estabilidade transversal de uma embarcação.

Algumas considerações práticas  

Na prática, é possível afirmar que quanto maior a boca (largura) da embarcação, maior será sua estabilidade transversal, porque uma boca maior tende a elevar o metacentro M. Neste sentido, cabe notar que a boca deve ser escolhida, no projeto de uma embarcação, levando-se em consideração dois fatores aparentemente antagônicos: a conveniência de se otimizar a resistência ao avanço do casco, que geralmente resulta em uma boca menor, e a obrigatoriedade de se possuir boa estabilidade, o que implica em uma boca maior.

Por conta da questão da influência da boca total sobre a posição do metacentro, uma embarcação multicascos, como um catamarã, possui maior estabilidade inicial do que uma embarcação monocasco com mesmo volume imerso.

Com relação à disposição das máquinas, equipamentos, tanques, etc., que representam os pesos mais importantes na embarcação, a regra que melhor garante a estabilidade poderia ser: “quanto mais baixos os pesos, mais seguro”. Assim, o centro de gravidade será mantido em altura adequada à segurança. Obviamente, quanto menor o peso da superestrutura, e de tudo mais que vai acima do convés principal, mais conveniente será para a estabilidade da embarcação.  

Em alguns casos, pode ocorrer que uma solução para obter-se segurança quanto à estabilidade seja acrescentar certa quantidade de lastros à embarcação, de modo a abaixar a altura do centro de gravidade e aumentar a altura metacêntrica GM. Uma solução deste tipo penaliza a quantidade de carga ou de passageiros que a embarcação pode transportar, considerando-se  uma mesma condição de calado: o lastro acrescentado substituirá o mesmo peso de cargas ou de passageiros transportados.

Como se determina a estabilidade de uma embarcação

A avaliação quantitativa da estabilidade estática de uma embarcação pode ser obtida de duas maneiras, ambas geralmente recomendadas:

A)   por cálculos exaustivos tanto dos volumes imersos em cada inclinação do casco, em cada calado de operação, como dos  pesos e centros de estruturas, máquinas, tanques, etc.., presentes na embarcação, determinando-se, ao final, as curvas dos braços de endireitamento GZ em função dos ângulos de inclinação transversal do casco θ e as alturas metacêntricas GM;

B) pela realização na embarcação de um teste de inclinação, onde pesos conhecidos  sofrem várias mudanças de posição, seguindo um plano pré-determinado, e, a cada mudança, é medida a variação do  ângulo de inclinação transversal provocada pela alteração da posição do peso. A relação entre as várias posições do peso e as variações dos ângulos resultantes permite determinar a inclinação inicial da curva de estabilidade (GZ em função de θ), a altura metacêntrica e a posição do centro de gravidade da embarcação leve.

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Após a determinação da estabilidade estática, ou inicial, são aplicadas as normas de Marinha e de Sociedades Classificadoras, para as curvas de GZ x θ e para os valores de GM, para que haja garantia da existência da estabilidade dinâmica, ou seja, para que a embarcação suporte adequadamente a influência dos fatores dinâmicos como ventos, ondas, guinadas, alterações de posições de passageiros ou cargas, etc.Existem também critérios de estabilidade avariada, que considera que o alagamento de alguns compartimentos do casco, por algum acidente, não deve comprometer a sobrevivência da embarcação. Neste sentido, é recomendada uma compartimentagem interna do casco, no sentido de garantir a segurança, mesmo com importantes avarias.

Por: Carlos Daher Padovezi, Engenheiro Naval, Doutor, Diretor do Centro de Engenharia Naval e Oceânica do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo.

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